AVE CAESAR

‘Salve César’

Evolução Agrícola

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A sobrevivência da humanidade sempre esteve vinculada ao fator terra. É da atividade humana sobre o solo (agro) que depende a produção de vegetais e animais indispensáveis à subsistência física das pessoas e ao progresso das nações.

A terra é, por assim dizer, a fonte mater da riqueza nacional; o elemento de onde se extraem os recursos alimentares e outros insumos produtivos oferecendo, basicamente, um duplo efeito: sustentar a população e propiciar ao país, através da exportação de excedentes, as divisas indispensáveis à garantia do processo de modernização.

Isso evidência a magnificência do trabalho humano no meio rural para, em contato com a natureza, fazê-la produzir, ação a que se tem denominado atividade agrária ou, mais modernamente “atividade agrobiológica”.

Essa atividade agrária, por sua vez, pressupõe um conjunto de relações quer materiais, quer formais, conformadoras de estrutura agrária. Fácil de perceber que a atividade agrária vincula o homem ao solo e os homens entre si, no escopo da produção (aspecto material da estrutura) e suscita, simultaneamente um conjunto de relações sociais que são reguladas coercitivamente para manter a ordem e a segurança no desempenho da atividade (aspecto formal da estrutura) e para adequá-la aos fins próprios da política agrária.

As relações materiais terão tanto mais garantia quanto forem adequadas as relações formais, isto é, enquanto estas mais adaptáveis à realidade dos fatos e quanto mais exeqüível for a sua efetivação. Isto significa que as relações formais devem objetivar a disciplina adequada das relações materiais e não só isto, devem encontrar-se aparelhadas por mecanismos jurisdicionais hábeis a promover a eficácia do valor jurídico nuclear do interesse por elas resguardado. Quando há um perfeito ajuste entre relações materiais e formais, isto é, quando o direito oferece respostas adequadas e eficazes aos problemas sociais, econômicos ou técnicos, caracteriza-se uma estrutura agrária normal. Mas é raro que tal ocorra. O comum é um descompasso entre relações materiais e formais, criando situações de mal-estar social e exigindo do poder político um regime jurídico apropriado para as relações decorrentes da atividade agrária.

Claro está que essas relações se encontram de tal sorte co-implicadas e mutuamente interferentes, num processo de interação contínua, a exigir permanentes respostas e adaptações. Um aspecto ilustrativo é o das relações contratuais. Se o ordenamento requeira, a qualquer tempo, o imóvel rural ao arrendatário (homem que trabalha no prédio e que não dispõe de recursos para ser proprietário) torna-se evidente que, em determinado momento, esse agricultor pode ver-se desprovido de condições materiais para subsistir, sendo obrigado a emigrar para a cidade, à procura de qualquer serviço remunerado. Nesta hipótese dessume-se com relação formal (lei) possibilitando a vigência de relação formal de menor hierarquia (contrato) pode afetar as relações materiais, tais como o trabalho da terra e a unidade familiar.

Certas modificações nas relações materiais podem também exigir a promulgação de normas reordenadoras, como as situações provocadas por fatos da natureza (secas, enchentes, geadas, pragas etc.). Nestas circunstâncias em que habitações rurais, cercas, currais, lavouras, pastagens e cartórios de registros públicos, são destruídos, torna-se imperativo uma nova regulamentação jurídica das relações materiais e das formais de menor hierarquia, em caráter emergente e recuperatório da estrutura atingida. Assim podem ser baixadas leis, decretos ou atos normativos, que v.g. determinem a anistia dos débitos, a moratória na execução de contratos privados, a isenção tributária por determinado período, a admissão de elementos de provas subsidiárias de domínio etc.

O professor ANTONINO VIVANCO, da Universidade de la Plata, conceitua a estrutura agrária como “a conjunção de relações sociais, econômicas e jurídicas que surgem em decorrência da atividade agrária e que têm por objeto bens, obras e serviços que, por sua natureza ou destino, são indispensáveis ao desenvolvimento da comunidade rural.

A estrutura agrária possui traços bastante característicos que a distinguem da estrutura urbana, a partir, exatamente, dessa dinâmica integrativa e estabelece um modus vivendi bastante diferenciado. Essas peculiaridades desenvolvem tipos humanos bem particulares, criados na solidão e no isolamento, vivendo na expectativa da regularidade dos ciclos naturais e cultivando, sobretudo, a semente da esperança.

Toda a atividade desenvolvida no meio rural implica na existência de fatos e atos que engendram relações materiais, ordenadas juridicamente por relação formais. Para prevenir sérias disfunções na estrutura, estas relações devem estar correspondentemente ajustadas o que requer, dentre outras manifestações, a apropriada regulamentação jurídica do regime dominial, das relações contratuais, da comercialização da produção etc.

VIVANCO aponta as deficiências que podem ocorrer na estrutura agrária:

 

a) deficiências nas relações materiais (falta de execução de obras, de serviços etc.);

 

b) deficiências nas relações formais (falta de regulamentação jurídica apropriada para o regime dominial, contratual, policial etc.);

 

c) deficiências nas interrelações, ou seja, na vinculação entre ambas (ausência de normas reguladoras de relações entre proprietários de terras e trabalhadores em terrenos deficientemente cultivados etc.).

 

Essas deficiências, em seu conjunto, geram desajustes nas relações estruturais agrárias, criando um círculo contíguo de perturbações de toda ordem (políticas, econômicas, sociais, técnicas etc.) e atingindo a totalidade da comunidade nacional.

Existem casos de perturbações circunscritas a determinados setores ou grupos, acarretando inconvenientes mais ou menos generalizados. Mas se a administração se omite ante essa realidade e descura de enfrentar os problemas latentes, pode a mesma chegar a um ponto de ruptura ou saturação em que irrompem forças reprimidas exigindo, por meio de atos de força, transformações bruscas no ordenamento jurídico. É a este estado de tensão que se dá o nome de “questão agrária”, representada pelo acúmulo de deficiências estruturais. A resposta pode ser dada pela reforma agrária, através de modificações operadas com respeito à ordem jurídica fundamental ou com a revolução agrária, em que essa ordem é fulminada, estabelecendo-se relações de fato até a instituição de novo regime político e jurídico.

Em termos concretos, uma estrutura agrária pode conduzir duas deformações básicas: excesso de concentração fundiária (muita terra em mãos de poucos), ou excesso de divisão (muita gente com pouca terra). Estas, por sua vez, podem provocar uma série de deformações contínuas referentes às condições de uso da terra, à preservação dos recursos naturais, às relações de trabalho no meio rural, dentre inúmeras outras. Daí porque se identifica a natureza de uma estrutura agrária considerando fundamentalmente dois aspectos: o regime dominial (dimensão das explorações e graus de parcelamento) e o regime de trabalho (disciplina jurídica das relações contratuais: estatuto dos empresários e dos trabalhadores rurais). Os dados fornecidos por estes dois indicadores vão revelar, segundo ROLANDE GADILLE a adaptação ou inadaptação das estruturas: inadaptação às condições sócio-demográficas ou econômicas, e mais ainda, em muitos casos, à evolução destas condições.

Qualquer que seja o regime político, esta inadaptação revela ao nível dos homens uma espécie de “mal-estar agrário” gerado pela impossibilidade que têm adquirir, em dimensões adequadas, terra para o seu trabalho ou ainda pela consciência de sua incapacidade técnica e ou financeira para obter, com sua exploração, um nível de vida condigno.

Certas deficiências nas relações materiais (má adaptação dos tipos de cultura às terras disponíveis, dificuldades de escoamento da produção) podem contribuir a um desajustamento da estrutura e fomentar, ao lado de fatores mais determinantes (regiões superpovoadas ou de elevada densidade demográfica) um estado de tensão social rural.

A insatisfação que resulta de falhas ou deformações estruturais e conjunturais se manifestam de diferentes formas, consoante o estágio e o regime político dos distintos países. Assim é que, nos países menos desenvolvidos, ela se caracteriza por um desequilíbrio espacial (representado pelo desnível sócio-demográfico) ou funcional (inadequada utilização dos fatores de produção, provocando baixo rendimento econômico).

Esses desajustes operam efeitos diretos nas relações de poder e ensejam o aparecimento de uma grande classe de trabalhadores rurais dependentes dos senhores de terra que exercem um domínio autocrático sobre pessoas e coisas. ERNST FEDER observa que a autocracia é um aspecto fundamental do regime latifundiário, sobretudo latino-americano. O latifundismo é um sistema de poder. Uma fazenda é normalmente uma empresa autocrática. O poder do fazendeiro se exerce sobre toda a comunidade que se localiza no latifúndio ou perifericamente, em função dele.

Em países como o Brasil, de estrutura agrária dualista (latifundiária-minifundiária) esse estado de insatisfação tende a agravar-se cada vez mais, representando um sério perigo à integridade da própria estrutura sócio-política.

O desenvolvimento do capitalismo engendrou, em todo o mundo, a apropriação individual da terra. A colonização se exerceu freqüentemente com a expropriação das terras pertencentes às populações indígenas, quase sempre deslocadas para terras de qualidade inferior. A expansão ocidental fez-se acompanhar de um processo de expropriação-apropriação e por um fenômeno de concentração de terra em mãos de classes privilegiadas. Na América Latina o processo começa nos séculos XV e XVI, e na África e Ásia se encontra estreitamente vinculado com a expansão da chamada “agricultura de plantação”.

Written by Caesar

18 novembro, 2008 às 10:41 pm

Publicado em direito

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